28/08/2008

O Direito Natural darwinista

Recentemente um partido político veio anunciar a necessidade de medidas draconianas para reprimir a onda de assaltos no país, incluindo a liberdade total para a polícia matar, e o governo aprovou o reforço de poderes da figura do “secretário das polícias”. Não vou aqui abordar os aspectos sociológicos e económicos do fenómeno do aumento da criminalidade violenta ― deixo isso para os economistas e sociólogos; prefiro pensar na Política, no Direito, e portanto, na Ética.

O que esse partido (MMS, salvo erro, é a sua sigla) e o governo vieram propor é o primado de um novo Direito Natural, baseado numa visão darwinista da Natureza, sobre o Direito Positivo. Digo “novo” Direito Natural, porque o “velho” era baseado num Direito Natural às ordens de Deus, e foi contra esse Direito Natural divino que Rousseau escreveu o “Contrato Social”, defendendo o Direito Positivo com unhas e dentes. Com o advento do Modernismo, o Direito Positivo afirmou-se em equilíbrio com os congéneres naturalistas, não obstante as crises existenciais do nazismo e do estalinismo, e o Pós-Modernismo globalizado pretende impor agora a superioridade ética de um novo conceito de Direito Natural baseado na teoria evolucionista da selecção das espécies.

Vamos partir de algumas premissas muito simples e que todos entendem.



    1) O Direito funda-se sobre a Justiça, sendo que o conceito de “justiça” tem variado de acordo com a evolução, ascensão e decadência das civilizações, isto é, a Justiça nem sempre é e/ou foi racionalmente justa.

    2) Os conceitos de Direito Natural e de Direito Positivo já vêm de Aristóteles (“Direito Público”, Ética Nicomaqueia) ― não são conceitos da Igreja Católica ou da Revolução Francesa. Aristóteles definiu o Direito Positivo (ou Direito Legítimo) como sendo aquele instituído pelo Estado através das leis, e o Direito Natural como sendo aquele que conserva o seu valor independentemente da sanção das leis instituídas pelo Estado.
    O que aconteceu foi que durante a Idade Média e mesmo na Idade Moderna, o Direito Natural divino prevaleceu sobre o Direito Positivo, isto é, este último baseava-se no primeiro e subordinava-se àquele. Com o Modernismo, passou a existir um equilíbrio entre os dois “Direitos” com a aplicação do conceito aristotélico de “Equidade”, que se distingue do Direito porque consiste na correcção da lei positiva mediante a consideração da lei natural nos casos em que a sua aplicação pudesse contribuir para uma maior e melhor justiça.

    2.1 - Com o Pós-Modernismo, o que acontece é a tentativa política de inversão de valores no Direito: esse equilíbrio existente no Modernismo rompe-se a favor da tentativa de predomínio absolutista de um novo Direito Natural sobre o Direito Positivo ― desta feita já não baseado num naturalismo divino da Idade Média, mas num naturalismo darwinista (no caso do Libertarismo de Direita) ― por exemplo: a aplicação da lei do mais forte, segundo o conceito da selecção das espécies, a verdadeira lei é a realidade da Natureza: a desigualdade;

    2.2 - ou através da tentativa de um predomínio absolutista do Direito Positivo sobre qualquer tipo de Direito Natural ― através da utopia que constrói o futuro virtuoso em função de uma visão desconstruída de um passado sem virtudes (Libertarismo de Esquerda) ― por exemplo, a sobreposição absoluta da lei positiva sobre a lei natural no que diz respeito à construção da família e à educação da prole; ou através da instituição da “multidão dos fracos” que impõe a lei, tornando-se essa “multidão dos fracos” ― mesmo que em minoria consubstanciada numa elite ou casta ―, nos novos “fortes”, e não se fazendo, por isso, apelo ao Direito senão como um instrumento de Poder;

    2.3 - ou através de uma mescla sincrética e incoerente das duas tendências (“Terceira Via”, ou “Socretinismo”) ― valida-se a predominância absoluta do naturalismo darwinista em algumas áreas estanques da ética da justiça, e noutras áreas assume-se a lei positiva sem recurso possível a qualquer lei natural.

Em todos estes casos, a “Equidade” de Aristóteles perde o valor que teve na sociedade dos nossos pais e avós, e assistimos assim a uma clara tendência para um retrocesso civilizacional.

Se os factos naturais não justificam o Direito porque a sua função é rectificar algo que (suposta e racionalmente) está errado na Natureza, a verdade é que os factos naturais nos impõem o Direito, nomeadamente quando as leis da natureza nos inibem de actos que levem à destruição da vida. O Direito, tal como o ser humano a quem deve servir, é dualista: o Direito Natural tradicional é a parte “instintiva” do Direito, e o Direito Positivo é a sua parte “racional”. Alienar ou desprezar qualquer uma destas partes em favor da outra é transformar o Direito em algo inumano, e portanto, injusto.

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